quinta-feira, 30 de junho de 2016

Amizades improváveis – ou como emocionar sem manipular

Então, temos esta singela pérola de 2016, recentemente lançada pela Netflix (you go, Netflix!) que, até o momento, não tem causado grande alarde no meio cinéfilo e ainda não é consideravelmente popular, porém já traz consigo uma muito boa receptividade por parte da crítica, uma nota 7.4 no IMDB e 75% de aprovação no Rotten Tomatoes, o que é bom para uma produção pequena em forma e desenvolvimento, mas com um coração gigante e pulsante que coloca um sorriso no rosto de qualquer um que confira o longa.

As amizades improváveis citadas no título dado na distribuição nacional se referem às das seguintes personagens: Trevor, Ben, Dot e Peaches. Vamos falar um pouquinho de cada um deles por partes e fazer as ligações. Trevor (Craig Roberts) é um rapaz jovem que sofre de uma grave doença chamada Distrofia muscular de Duchenne, que reduz sua expectativa de vida ao máximo de cerca de 30 anos de idade e o impede de realizar atividades banais e corriqueiras, como até mesmo ir ao banheiro sozinho. Trevor necessita, então, de um cuidador disposto a atendê-lo todo o tempo. É aí que temos Ben. Ben (Paul Rudd) é um adulto já em seus 45 anos totalmente afundado em problemas pessoais e profissionais, sem qualquer esperança ou perspectiva de vida, que vive num constante estado de latência após uma tragédia passada alguns anos antes do desenrolar do filme, que decide, por vários fatores que se relacionam a esta tragédia, ser um cuidador. Após seis meses de treinamento, recebe seu diploma e sua primeira experiência profissional é justamente com Trevor.




A relação entre ambos, que deveria, num primeiro momento, ser estritamente profissional (segundo a filosofia da escola de treinamento, cuidadores devem cuidar e dar atenção, mas mantendo uma separação saudável com seus clientes por motivos de autoproteção) se desenvolve em uma forte amizade à medida que a personalidade forte, o constante sarcasmo e todas as manias (que aos poucos vão sendo desconstruídas) de Trevor são muito bem manejados por Ben. Numa de suas tentativas de tornar a vida do jovem mais interessante e lhe proporcionar realmente uma experiência de vida real, os dois decidem fazer uma road trip pelos EUA com destino ao poço mais profundo do mundo (sim.) – idéia originada de uma estranho interesse de Trevor por coisas curiosas e gigantes espalhadas pelos EUA – passando por várias outras atrações pelo caminho. Parece algo simples, mas para uma pessoa que em toda sua vida nunca havia passado nada mais que uma hora longe da segurança e previsibilidade de sua casa é um passo gigantesco. No caminho, eles agregam à viagem as duas outras personagens de maior importância para o enredo: Dot (Selena Gomez), uma jovem com ares de mistério, muito atraente, com um passado familiar também conturbado e que busca uma nova guinada em sua vida na cidade de Denver e Peaches (Megan Fergussson), uma carismática grávida muito perto de dar à luz que viaja a caminho da casa de sua mãe. Quatro personagens que aparentemente não guardam nada em comum além de complicados passados marcados por perdas e danos se juntam nesse carro e ao longo do caminho criam uma conexão interessantíssima e saudável, que, de maneira sutil, acaba efetivamente mudando a vida de todos.




Amizades improváveis (The fundamentals of caring, 2016) é um filme totalmente adorável. Tentando falar de forma técnica, porém, obviamente não é perfeito. É fato notável que o roteiro, apesar de leve e de ter doses adequadas de drama e comicidade, não tem elementos de grande genialidade. O filme é todo e completamente previsível, não guarda grandes surpresas ao espectador e parte de suas reviravoltas são fáceis de ser antecipadas e não trazem grande choque ao serem reveladas. Também é fato que os elementos doença e tragédia familiar são usados de forma maçante pela indústria cinematográfica, especialmente nas produções que tem um caráter “tearjerker”, que numa tradução adequada seria algo como aqueles filmes que são feitos única e exclusivamente para arrancar lágrimas do espectador. A questão é que, apesar de ter tudo para ser mais um desses filmes, Amizades improváveis não é. Os dramas, apesar de serem bastante sérios, não são tratados de forma manipulativa em nenhum momento. São orgânicos, simples, diretos, pontuais e nunca exageradamente prolongados. O filme, aliás, aposta muito mais em momentos de comicidade sarcástica para garantir o carisma que o torna recomendável para aqueles que buscam um divertimento leve e otimista, mas que ao mesmo tempo disponha os lugares comuns de forma tolerável e apreciável. Somado a estes fatores, também temos uma excelência de atuações com destaque à presença sempre interessante (e muitas vezes apaixonante) de Paul Rudd em mais uma de uma longa sucessão de interpretações adoráveis (e muitas vezes clichês), uma atuação de mestre de Craig Roberts (os dois juntos tem uma ótima química) e trabalhos muito competentes de Selena Gomez (esqueçam o passado de estrela da Disney de Selena Gomez. Ela está provando que é uma artista de cinema válida. Um filme de cada vez.) e Megan Fergusson. 

É isso. Amizades improváveis. Uma sucessão de clichês funcionais, graças ao elenco super competente e ao não exagero dramático, que montam uma experiência satisfatória.


Nota: 8/10

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